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Tudo o que você precisa saber sobre alergia alimentar infantil

Nas últimas décadas a alergia alimentar vem crescendo em todo o mundo e, de acordo com o mais recente Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar, publicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), atualmente, ela é considerada um problema de saúde pública.

Caracterizada por uma reação exagerada do sistema de defesa do organismo às proteínas presentes nos alimentos, a alergia alimentar está relacionada à presença de uma forma ativa da imunoglobulina E (IgE), um tipo de anticorpo que libera substâncias na tentativa de combater os supostos inimigos, levando, assim aos sintomas alérgicos.

 

 

O problema atinge mais crianças do que adultos – cerca de 6 a 8% de crianças menores de 3 anos, e 3,5% de adultos – sendo que os alimentos com maior potencial alérgeno são: leite de vaca, ovo, trigo, soja, oleaginosas (castanhas, amendoim, nozes), peixes e frutos do mar.

Não se sabe ao certo o que faz desses alimentos os mais propensos a causarem reações alérgicas, mas uma das hipóteses é que a nossa dieta inclui cada vez menos itens naturais e mais opções industrializadas. E isso altera a flora intestinal, afetando, assim, o sistema imunológico.

E engana-se quem pensa que a alergia alimentar surge apenas no início da introdução aos alimentos, a partir dos 6 meses de vida do bebê. O problema pode dar as caras logo nos primeiros dias de vida do recém-nascido, como explica Gabriela Halpern, nutricionista da Casa Moara (SP) e professora do curso de prática clínica em Materno Infantil do Grupo Gerar e do Grupo de Nutrição Materno Infantil: “Se o bebê tiver contato com leite artificial ainda na maternidade, ele pode se sensibilizar e apresentar sintomas de alergia alimentar de forma mais precoce. Mas, mesmo bebês amamentados exclusivamente no seio podem apresentar sintomas de alergias alimentares, e, nestes casos, recomenda-se que a mãe faça uma dieta de exclusão dos possíveis alimentos que contenham as proteínas causadoras da alergia”, diz.

Entretanto, para chegar a essa medida, os hábitos alimentares dessa mãe devem ser bem avaliados em conjunto com o pediatra do bebê, a fim de não privar a mulher de um grupo grande de alimentos sem, de fato, entender qual deles pode estar causando o problema.

Mas, afinal, quais as causas da alergia alimentar?

As causas são divididas em: fatores genéticos, imaturidade da mucosa intestinal do bebê e o próprio ambiente em que ele está inserido. Vamos entender melhor cada um desses fatores?

  • Genéticos: A criança carrega os genes dos pais, que têm algum tipo de alergia – “E isso aumenta em até sete vezes as chances dela também desenvolver a alergia”, diz Gabriela;
  • Imaturidade da mucosa intestinal: Por não estar totalmente desenvolvida, ela acaba não reconhecendo a proteína de determinado alimento, provocando a formação de anticorpos que vão gerar sintomas de alergia;
  • Ambiente: Ninguém duvida que vivemos a era da limpeza. As prateleiras estão abarrotadas de produtos que prometem eliminar 99,9% dos germes, os sabonetes antibacterianos nos trazem maior sensação de limpeza – “O problema é que esse excesso de higiene acaba por deixar o ambiente tão estéril, a ponto de eliminar as bactérias boas, que teriam um importante papel na construção da imunidade”, informa a nutricionista, que também é mestre em ciências aplicadas pelo departamento de pediatria da UNIFESP/EPM. Há anos, os estudiosos do assunto alertam para o perigo do excesso de limpeza. Na prática, é como se o organismo tivesse desaprendido a conviver com essas bactérias, reagindo a elas como se fossem agressoras. E o resultado disso são as alergias.
Gestação, parto e amamentação também influenciam

Outro ponto superimportante envolvido na maior predisposição dos bebês e crianças a desenvolverem alergias de todos os tipos, entre elas as alimentares, diz respeito aos hábitos da mãe enquanto o bebê ainda estava sendo gerado. É o que conta a alergista e imunologista Ana Paula Castro, da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: “A alimentação da mãe durante a gestação, quando é pobre em alimentos nutritivos e rica em ultraprocessados, pode contribuir para que ela tenha filhos com mais chances de desenvolverem alergia alimentar.”

O tipo de parto também tem importante ligação com a questão das alergias alimentares, como mostrou um levantamento da Universidade de Örebro, na Suécia: 21% dos bebês analisados apresentaram maior risco de desenvolver alergias alimentares ao nascer por cesárea. Isso porque ao passar pelo canal vaginal – em partos normais – o bebê tem contato com a flora microbiana da mãe, recebendo naquele momento importantes anticorpos que reduzem as chances de alergias.

O aleitamento materno também pode ser um importante aliado contra o problema. A recomendação é que ele seja exclusivo pelos primeiros seis meses de vida, sendo que quanto mais prolongado, melhor. Segundo informações da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), mesmo após a introdução alimentar, o aleitamento materno deve continuar, pois já se sabe que, quando ele está associado à introdução dos novos alimentos, isso pode proteger as crianças, inclusive as que têm pais alérgicos e, portanto, maior predisposição.

A nutricionista Gabriela Halpern define numa frase o que seria o mundo ideal para reduzir ao máximo as chances de a criança ter alergias: “Um bebê que nasceu de parto normal, é amamentado exclusivamente no peito até os seis meses e continua após a introdução alimentar; que convive com animais de estimação, tem contato com outras crianças e se alimenta com “comida de verdade”, têm menos chance de desenvolver alergias”, diz. A explicação é que todos esses fatores listados acima melhoram a tolerância e a microbiota intestinal. “E trabalhos têm mostrado que quando há uma microbiota mais diversa e rica, as fibras acabam fermentando e favorecendo o crescimento de bactérias benéficas. Isso aumenta a imunidade e reduz a intolerância do organismo, que consequentemente, desenvolve menos alergias.”

Sintomas e cuidados

Existem sintomas que são muito característicos das alergias alimentares, por exemplo: logo após comer determinado alimento a criança tem algum tipo de coceira, inchaço ou desconforto abdominal. Regra geral, as queixas mais comuns envolvem o trato digestório, como vômito, gastrite ou alteração do intestino com fezes mais líquidas, às vezes com presença de muco ou sangue; mudanças na pele, como dermatite e urticária; e alterações respiratórias, como rinite e asma.

“Porém, mesmo com esses sintomas, a alergia alimentar só se define após uma boa análise, que inclui fazer o teste com alimentos, restringindo-os e reinserindo-os à dieta da criança (ou da mãe, caso o bebê seja amamentado), além de avaliar muito bem todos os sintomas que podem estar relacionados”, ressalta a alergista e imunologista Ana Paula Castro.

Não é tão simples chegar a um diagnóstico da alergia alimentar, sendo muito importante essa avaliação mais profunda, que pode incluir ainda os testes de sensibilidade dos possíveis alérgenos.

Existem também os sintomas mais sérios e intensos, com risco de choque anafilático (que tem como principal característica a dificuldade para respirar, com chiado no peito, podendo causar coceira, vermelhidão na pele, sensação de bola na garganta, dor abdominal, suor intenso, náuseas e aumento dos batimentos cardíacos). Se isso acontecer, é preciso correr imediatamente para o Pronto Socorro mais próximo. A intervenção é feita com adrenalina autoinjetável, podendo ser associada a outros medicamentos.

A boa notícia é que com o passar do tempo, a maioria das crianças adquire tolerância aos alimentos que causaram a alergia. Enquanto isso não acontece, cabe aos pais ou responsáveis ofertarem a elas uma alimentação equilibrada, rica, prazerosa e variada, garantindo bons hábitos alimentares e nutrientes adequados para o seu crescimento e desenvolvimento. E em todos os momentos é importante que ela se sinta incluída e segura.

Alergia à proteína do leite de vaca (APLV) ou intolerância à lactose?

O primeiro ponto a ser esclarecido na confusão que pode haver aqui é: o que causa alergia é a proteína. Então, não existe alergia à lactose, já que lactose é um tipo de açúcar/carboidrato. Logo, toda vez que o problema é a lactose, existe uma intolerância – deficiência de digestão da enzima lactase.

Já a alergia à proteína do leite de vaca (alfalactoalbumina, betalactoglobulina e caseína) é o tipo mais precoce, responsável por até 80% das alergias alimentares no primeiro ano de vida, sendo ainda o alérgeno alimentar mais comum em menores de 5 anos de idade, segundo um estudo publicado pelo Colégio Americano de Alergia, Asma e Imunologia (Acaai).

“Quando identificada essa alergia, é necessário retirar leite e derivados da dieta da criança”, comenta Ana Paula. Segundo a ASBAI, a reintrodução dos alimentos deve ser feita sempre com acompanhamento médico, a cada 6 meses, como forma de verificar se houve alterações a essa condição.

Enquanto a intolerância à lactose é normalmente resultado de lesões da mucosa intestinal ou têm como pano de fundo as causas genéticas (congênita, doença celíaca, desnutrição), com manifestações exclusivamente gastrointestinais, como diarreia e cólicas; no caso da APLV, cólica, irritabilidade e rinite são sinais comuns relacionados ao problema.

Para a criança que é alimentada com fórmula infantil, podem ser indicadas opções de fórmulas extensamente hidrolisadas, com ou sem lactose; ou fórmulas de aminoácidos, que costumam ser indicadas nos casos em que a fórmula hidrolisada não foi suficiente para melhorar os sintomas.

Foi o caso da Heloísa Martins, 4 anos e 9 meses, que desde 1 ano e meio precisou contar com o uso de fórmula infantil extensamente hidrolisada, a fim de amenizar as coceiras e irritações na pele – “Quando notamos que havia algo de errado com as coceiras constantes na pele da Helô, procuramos uma especialista. Além de recomendar a fórmula, foi indicado o teste de alérgenos.

Desde então, minha filha só toma esse tipo de leite, recomendado até que ela complete 5 anos. Mas aqui em casa ainda temos outro ponto complicador: eu sempre fui alérgica, tenho rinite, então isso também se estendeu para a Helô. Percebo que com o passar dos anos, realmente os sintomas estão mais amenos, mas ainda assim, vez ou outra preciso recorrer ao uso de antialérgico para conter as coceiras na pele dela”, conta a jornalista Aline Dini.