Entenda quando o parto normal é possível após a cesárea
Até quem não é mãe já ouviu alguma amiga dizer que não se faz parto normal após uma cesárea. Uma ideia antiga, que se perpetua no diálogo das mulheres e até mesmo de alguns especialistas.
Mas, afinal, qual a origem dessa informação? Quem explica é a ginecologista e obstetra Karen Rocha De Pauw (@doutorakaren): “Como antigamente a cesárea só era realizada quando realmente havia alguma complicação que inviabilizasse o parto normal, na maioria das vezes, se a pessoa engravidasse novamente o problema poderia ser o mesmo. Então a cesárea estaria novamente recomendada”, diz.
Porém, como sabemos, hoje não se faz mais cesárea apenas quando realmente há uma indicação. Muitas mulheres optam pela cesárea agendada, e existem também os médicos que têm em seu histórico uma vasta experiência com a cesariana. Motivos que contribuem para o Brasil ser o segundo país do mundo que mais realiza cesáreas, atrás apenas da República Dominicana, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A instituição recomenda que apenas 15% dos partos sejam cesárea, mas aqui esse número é bem mais alto: 57% dos nascimentos são resultado de um procedimento cirúrgico, sendo que esse número pode ser muito maior na rede privada de saúde, onde a cesárea eletiva tem mais chances de ser realizada.
Sabendo do contexto em que essa ideia está inserida, vamos entender melhor as possibilidades de um parto normal na segunda gestação. É perfeitamente possível dele acontecer, a não ser, claro, que o motivo da primeira cesárea realmente tenha sido uma clara recomendação para esse tipo de parto, e que essa implicação permaneça.
As reais possibilidades de parto normal na segunda gestação
Uma grande pesquisa realizada por universidades britânicas, publicada no Jornal Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (BJOG), e feita com quase 144 mil mulheres que passaram pela cesariana, mostrou que 63% das que mostraram interesse pelo parto vaginal para o segundo filho foram bem-sucedidas.
A empresária Amanda Chatah, que é mãe de Flora, Olívia e Antônio, é prova que o VBAC (sigla para Vaginal Birth After Cesarian, em inglês), como é chamado o parto normal depois de uma cesárea, pode ser bem-sucedido e seguro.
Após o parto normal traumático de sua filha mais velha, que teve várias intervenções médicas, como manobras que causaram uma fratura na clavícula da bebê, ela engravidou novamente e, dessa vez, passou pela experiência de uma cesárea feita às pressas.
Olívia veio ao mundo com 41 semanas via cesárea, pois havia risco por conta do mecônio (primeiras fezes do bebê, que devem acontecer apenas quando ele já está fora da barriga da mãe).
“E quando eu menos esperava, engravidei novamente, aos 40 anos. Com muito mais informação a respeito do parto humanizado, decidi que se não tivesse nenhum fator que realmente indicasse uma cesárea, meu caçula viria ao mundo da maneira mais natural possível. E assim foi: Antônio nasceu de 39 semanas, de parto natural, sem qualquer anestesia ou intervenção. Um parto super respeitoso e humanizado”, conta.
É preciso desejar o parto normal e estar bem assistida
O primeiro fator importante para realizar um VBAC é a gestante querer que isso aconteça, assumindo alguns possíveis riscos juntamente à equipe médica. Pois, sim, os riscos de uma ruptura uterina existem, mas acontecem com menos de 1% das mulheres.
Logo, estar bem assistida é fundamental. E também é recomendado que tenha, pelo menos, dois anos de diferença entre um parto e outro. “Isso porque na cesárea, cortam-se músculos e camadas fibrosas que precisam estar bem cicatrizadas para que a tentativa de um parto normal seja viável. E esse tempo é recomendado pelas instituições de saúde, pois leva em conta o amadurecimento da cicatriz uterina, que fica mais resistente com o passar do tempo, evitando a ruptura”, explica a ginecologista e obstetra Karen De Pauw.
Falar sobre os riscos da ruptura uterina, aliás, é um esclarecimento importante que o médico deve oferecer já nas primeiras consultas, a fim de que a paciente interprete também se ela acha que é um risco alto ou baixo.
E, claro, o acompanhamento pré-natal e o histórico da mulher serão igualmente importantes para que o profissional entenda se é seguro continuar com a indicação do parto normal pós-cesárea.
Outro ponto que é fundamental para que um VBAC aconteça é a equipe médica ser favorável ao parto humanizado, entendendo todos os benefícios do parto vaginal para a mãe e o bebê.
Foi assim com Amanda Chatah, que optou por uma equipe totalmente humanizada e adepta do parto sem intervenções consideradas desnecessárias.
Mais de uma cesárea: sempre cesárea
A história muda, no entanto, com as mulheres que já passaram por duas cesáreas. Elas têm mais chances de sofrerem a ruptura do útero. Nesses casos, a recomendação é realmente uma nova cesárea e, ainda assim, a própria gestação já pode ser considerada de risco.
“Após duas cesáreas, o útero tem muito mais tecido fibroso, ficando com pouca ou nenhuma elasticidade. E o estiramento causado pela gestação faz com que essas cicatrizes estiquem a ponto de ficarem bem finas, podendo se romper durante o trabalho de parto. Se isso acontecer, tanto a vida da mãe quanto do bebê corre perigo”, conclui a médica.